Os erros do artigo em exame tiveram sua origem na especificação dos números (os que se obtêm de N por uma permutação dos algarismos). Veremos agora que, mediante uma pequena alteração de percurso, podemos conseguir um argumento correto que não dependa explicitamente dessa delicada questão. As modificações são:
(1) Mantemos o Lema 1 do artigo;
(2) Introduzimos uma definição: soma dos algarismos decimais de N;
(3) Substituímos o Lema 2 pelo seguinte (uma conseqüência fácil do Lema 1):
Lema 2'. Para todo , é múltiplo de 9.
Vejam, agora, como tudo se simplifica. Seja um número que difere de N por uma permutação dos algarismos. Claramente, . Portanto,
,
que é múltiplo de 9 porque, pelo Lema 2', e são múltiplos de 9. CQD
Para um leitor humano, a vantagem desse argumento é o seu componente intuitivo: não precisamos de nenhuma especificação formal da frase "número que difere de N por uma permutação dos algarismos" para acreditarmos que , pois isso é uma conseqüência "intuitivamente óbvia" da comutatividade da adição.
Ainda seriam possíveis alguns "melhoramentos". Por exemplo, o autor poderia ter usado a linguagem das congruências, nos termos da qual uma expressão do tipo " é múltiplo de 9" se converte em "", que desfruta de todas as vantagens manipulativas de uma relação de equivalência invariante sob somas e produtos. Nesse caso, exprimiríamos o Lema 2' como
;
e a prova de que resultaria, então, de e das propriedades simétrica e transitiva da relação . (Na verdade, essas propriedades foram provadas implicitamente no artigo.)
Parece-nos evidente que o autor evitou o uso de congruências (e da notação de somatório) visando tornar o seu artigo autosuficiente, ligeiro e acessível a um público mais amplo. Afinal, "truques" como esse — beneficiar-se de uma teoria "superior" ao provar um resultado, para depois apresentar os fatos apagando os rastros da teoria — são usados por todos os expositores em algum ponto de suas vidas. Aliás, não seria essa uma das razões pelas quais até os estudantes mais talentosos acham a Matemática tão difícil e desinteressante? Até quando se adiarão o ensino de ferramentas que foram concebidas justamente para facilitar o raciocínio?
Carlos César de Araújo, 25 de agosto de 2003