Durante a última metade do século XIX, o matemático Georg Cantor formulou e provou vários teoremas sobre conjuntos arbitrários (incluindo os infinitos), entre os quais se destaca aquele que, pela sua simplicidade e caráter fundamental, veio a ser chamado de "Teorema de Cantor".
Teorema de Cantor. Para todo número cardinal , .
Restrito aos cardinais finitos, o Teorema de Cantor torna-se uma simples afirmação sobre números naturais, a saber, que
.
Para este caso particular, conhecem-se várias demonstrações. Mas a força e o impacto histórico do teorema residem precisamente em sua aplicação a cardinais infinitos.
Por exemplo, o primeiro cardinal infinito é . Este é o cardinal do conjunto dos números naturais. Podemos dizer que possui elementos, e escrevemos . Em geral, a notação (ou, mais simplesmente, ) indica o cardinal do conjunto A. Aplicando o Teorema de Cantor ao cardinal , obtemos a desigualdade
O que isto significa de "concreto"? Por um lado, é também o cardinal do conjunto dos números reais algébricos (raízes de equações polinomiais com coeficientes inteiros). Por outro lado, é o cardinal de . Portanto, a desigualdade afirma que há mais números reais do que números algébricos. Em particular, segue-se que existem números que não são algébricos; e esta prova de existência mediante a comparação de cardinalidades de conjuntos infinitos foi o primeiro passo revolucionário de Cantor (dado por ele anos antes de descobrir o seu teorema geral).
Um corolário do Teorema de Cantor é que, dado um conjunto infinito, existe uma infinidade de conjuntos infinitos cada vez maiores. A propósito, a Hipótese Generalizada do Contínuo afirma que o sucessor de um cardinal infinito é precisamente . Foi estudando o Teorema de Cantor que Bertrand Russell descobriu, há pouco mais de cem anos, um dos mais intrigantes paradoxos da Matemática.
Neste artigo, mostramos a vantagem de se utilizar explicitamente alguns resultados elementares do Cálculo Proposicional e do Cálculo de Predicados (apresentados em outros artigos desta seção do site) tanto para descobrir uma demonstração do Teorema de Cantor (Parte 4) como para apresentar um argumento direto que utiliza uma interessante tautologia (Parte 5). Optamos por uma versão alternativa do teorema (Parte 2) que, embora clássica, tem sido invariavelmente demonstrada por redução ao absurdo e sem revelar a sua intrigante estrutura lógica. As definições dos conceitos relevantes são rapidamente recordadas na Parte 3 do artigo.
Apesar do emprego mais explícito que fazemos de notações e resultados da Lógica Matemática, advertimos que a apresentação do argumento final (Parte 5) ainda está distante do grau de formalização que é possível com as ferramentas lógicas atuais — e que se faz necessário para rodar a demonstração num computador! Isto será discutido num outro artigo deste site. Em particular, não pressupomos nenhuma axiomatização estrita da teoria dos conjuntos.
Carlos César de Araújo, 24 de julho de 2003