Lógica e linguagem
Orações adjetivas
Carlos César de Araújo
Matemática para Gregos & Troianos

A Lógica é uma disciplina útil não só para os fundamentos da Matemática, mas também para um entendimento mais organizado dos mecanismos da nossa própria linguagem. Nesta página veremos um exemplo de como certas distinções gramaticais consideradas difíceis se tornam mais simples quando analisadas com o auxílio de noções lógico-matemáticas elementares.

Observem atentamente as duas frases abaixo, nas quais © 2002-2006, Matemática para Gregos & Troianos - Carlos César e © 2002-2006, Matemática para Gregos & Troianos - Carlos César denotam conjuntos:

(1) Os elementos de © 2002-2006, Matemática para Gregos & Troianos - Carlos César que pertencem a © 2002-2006, Matemática para Gregos & Troianos - Carlos César pertencem a © 2002-2006, Matemática para Gregos & Troianos - Carlos César.
(2) Os elementos de © 2002-2006, Matemática para Gregos & Troianos - Carlos César, que pertencem a © 2002-2006, Matemática para Gregos & Troianos - Carlos César, pertencem a © 2002-2006, Matemática para Gregos & Troianos - Carlos César.

Várias sentenças estudadas nas gramáticas tradicionais têm uma dessas formas. Eis dois exemplos concretos:

(1) Os homens que são sábios estão cheios de dúvidas.
(2) Os homens, que são sábios, estão cheios de dúvidas.

Voltando à forma geral, podemos dizer que, sintaticamente, obtemos (2) de (1) pela simples inclusão de duas vírgulas:

(1) Os elementos de © 2002-2006, Matemática para Gregos & Troianos - Carlos César que pertencem a © 2002-2006, Matemática para Gregos & Troianos - Carlos César pertencem a © 2002-2006, Matemática para Gregos & Troianos - Carlos César.
(2) Os elementos de © 2002-2006, Matemática para Gregos & Troianos - Carlos César© 2002-2006, Matemática para Gregos & Troianos - Carlos César que pertencem a © 2002-2006, Matemática para Gregos & Troianos - Carlos César© 2002-2006, Matemática para Gregos & Troianos - Carlos César pertencem a © 2002-2006, Matemática para Gregos & Troianos - Carlos César.

Também podemos perceber, sem demora, que há uma diferença de significado na passagem de (1) para (2). A dificuldade começa quando tentamos exprimir essa diferença com clareza.

O ponto de vista do gramático

Um gramático começaria dizendo que em (1) temos uma oração subordinada adjetiva restritiva

© 2002-2006, Matemática para Gregos & Troianos - Carlos César

ao passo que em (2) temos uma oração subordinada adjetiva explicativa.

© 2002-2006, Matemática para Gregos & Troianos - Carlos César

Convém recordarmos rapidamente as definições de alguns desses termos gramaticais. Em (1) e (2) temos orações por causa da presença de um verbo (pertencer). As orações acima destacadas são:

subordinadas porque dependem de uma outra oração principal;
adjetivas porque exercem o papel semelhante ao de um adjetivo (de um termo da oração principal). Essas orações são freqüentemente introduzidas por pronomes relativos tais como que, quem, cujo, o qual, etc.

A oração adjetiva restritiva é assim chamada porque efetivamente restringe o significado da principal. Isto não ocorre com a oração adjetiva explicativa, que simplesmente acrescenta uma explicação (sic).

Uma diferença fundamental entre esses dois tipos de orações adjetivas é a seguinte:

• uma oração adjetiva restritiva nunca se apresenta separada por vírgulas — sendo lida sem pausa;
• uma oração adjetiva explicativa sempre se apresenta separada por vírgulas.

Eis uma segunda diferença, comumente citada nas gramáticas:

• uma oração adjetiva restritiva não pode ser omitida sem prejuízo para a compreensão do período;
• uma oração adjetiva explicativa pode ser omitida sem prejuízo para a compreensão do período.

É instrutivo examinar o nosso tema em outra línguas, particularmente o inglês, onde os equivalentes de (1) e (2) seriam escritos como segue:

(1) The elements of © 2002-2006, Matemática para Gregos & Troianos - Carlos César that belong to © 2002-2006, Matemática para Gregos & Troianos - Carlos César belong to © 2002-2006, Matemática para Gregos & Troianos - Carlos César.
(2) The elements of © 2002-2006, Matemática para Gregos & Troianos - Carlos César, which belong to © 2002-2006, Matemática para Gregos & Troianos - Carlos César, belong to © 2002-2006, Matemática para Gregos & Troianos - Carlos César.

Aqui, o efeito da virgulação é o mesmo que em português. Mas é interessante notar a diferença (polêmica) no emprego dos pronomes relativos:

• that é usado em orações adjetivas restritivas.
which é usado (ou fortemente recomendado) em orações adjetivas explicativas.

(No Mathematical Writing de Donald Knuth — citado na seção Escrita Matemática deste site — há uma interessante discussão sobre Which vs that por Mary-Claire.)

Explicação pela Lógica

Para os que estudam Lógica, a diferença entre os significados de (1) e (2) pode ser expressa de maneira bem simples em termos de operações e relações entre conjuntos. Vejam:

© 2002-2006, Matemática para Gregos & Troianos - Carlos César

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Essas simples formulações contêm tudo o que necessitamos para uma análise dos significados de (1) e (2). Por exemplo, retomemos a concessão do gramático, de que a proposição expressa pela adjetiva explicativa (© 2002-2006, Matemática para Gregos & Troianos - Carlos César) em (2) pode ser “omitida sem prejuízo para a compreensão do período”. É óbvio que, em se tratando de proposições — orações declarativas — essa omissão nem sempre é correta: afirmar “© 2002-2006, Matemática para Gregos & Troianos - Carlos César e © 2002-2006, Matemática para Gregos & Troianos - Carlos César” não é o mesmo que afirmar “© 2002-2006, Matemática para Gregos & Troianos - Carlos César”. Contudo, isto seria possível uma vez fixado um contexto no qual © 2002-2006, Matemática para Gregos & Troianos - Carlos César fosse pressuposta (como no caso de um axioma). Nesse caso, tudo se passa como se a intenção fosse afirmar que © 2002-2006, Matemática para Gregos & Troianos - Carlos César, a menção de “© 2002-2006, Matemática para Gregos & Troianos - Carlos César” servindo apenas para recordar um fato conhecido ou aceito.

Podemos tornar ainda mais clara a diferença entre (1) e (2) notando que uma proposição do tipo

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é logicamente equivalente a

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Isto é facilmente compreendido por meio de círculos de Euler (que não são a mesma coisa que os diagramas de Venn), embora possa ser provado com base na tautologia

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(Veja Lista de Tautologias Úteis, nesta seção.)

Em resumo, temos:

© 2002-2006, Matemática para Gregos & Troianos - Carlos César

© 2002-2006, Matemática para Gregos & Troianos - Carlos César

Em (1) temos a afirmação de que os elementos comuns a © 2002-2006, Matemática para Gregos & Troianos - Carlos César e © 2002-2006, Matemática para Gregos & Troianos - Carlos César estão em © 2002-2006, Matemática para Gregos & Troianos - Carlos César. Em (2) temos a afirmação de que os elementos de © 2002-2006, Matemática para Gregos & Troianos - Carlos César estão entre os elementos comuns a © 2002-2006, Matemática para Gregos & Troianos - Carlos César e © 2002-2006, Matemática para Gregos & Troianos - Carlos César.

Podemos dar um passo a mais e dizer que (2) é mais forte que (1), no sentido de que (2) implica (1). Pois se

© 2002-2006, Matemática para Gregos & Troianos - Carlos César

então, pelo fato de a interseção preservar inclusões,

© 2002-2006, Matemática para Gregos & Troianos - Carlos César

Deste modo, se © 2002-2006, Matemática para Gregos & Troianos - Carlos César, então © 2002-2006, Matemática para Gregos & Troianos - Carlos César.

Curiosamente, do ponto de vista da força lógica, a frase que contém a oração adjetiva explicativa é mais restrita do que a que contém a oração adjetiva restritiva!


25 de fevereiro de 2006, 15:36:41