Lógica e Matemática
Uma Aplicação da Indução
Carlos César de Araújo
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Introdução
Como se sabe, o Princípio da Indução Matemática (em sua versão clássica) fornece um método para provar sentenças do tipo
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(1) |
onde é uma propriedade aplicável a números naturais e
. Em sua forma fraca, mais simples, a técnica repousa sobre o fato de (1) ser logicamente equivalente a
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(2) |
(A equivalência entre (1) e (2) pode ser proposta como uma definição, aceita como um axioma ou derivada como um teorema. Veja o artigo Indução desta seção.)
Também é amplamente sabido que o método acima se aplica a objetos diferentes dos números naturais, contanto que possuam alguma característica mensurável por esses números. Então, pode-se tentar provas indutivas em usando essa “medida”. Exemplificando, a fim de provarmos que todo polígono satisfaz uma certa propriedade, podemos fazê-lo por “indução no número de lados” da seguinte maneira: (i) verificamos a propriedade para polígonos de três lados; (ii) mostramos que se a propriedade valer para polígonos de
lados, continuará válida para polígonos de
lados.
O exemplo dos polígonos nos permite conceber facilmente o caso geral: dada uma função , trata-se de provar afirmações da forma
por “indução em ”. Isto é menos óbvio quando
não ocorre em
. (Um exemplo em que
ocorre em
é: “[Num domínio de integridade] todo polinômio de grau
[
] possui no máximo
zeros.”)
Surpreendentemente, não é fácil encontrar um enunciado geral desse método nos compêndios. Por exemplo, não encontramos uma formalização em textos como [2] e [4], escritos por lógicos eminentes num período em que [1] ditava os padrões de rigor na Matemática. Uma exceção recente é [3] (Cap. 1, p.39), mas o autor deixa a demonstração como exercício, numa forma não imediatamente reconhecível. Seja como for, neste artigo preenchemos essas lacunas registrando o procedimento e, principalmente, justificando-o de maneira simples e direta.
Enunciado do Procedimento
A técnica de indução à qual nos referimos envolve os seguintes componentes:
• um conjunto ;
• uma função .
• um tal que
.
Por exemplo, se é o conjunto dos polígonos, então
pode ser o número de lados. Nesse caso,
, já que todo polígono tem no mínimo três lados.
Voltando ao caso geral, suponha que se queira provar
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(3) |
“por indução” em . O plano consiste em dois passos:
Passo 1. Prove que se um qualquer é tal que
, então
;
Passo 2. Tome um “arbitrário” e admita a seguinte hipótese de indução: se um
é tal que
, então
. Deduza que se um
é tal que
, então
.
Antes de mostrarmos como (3) é conseqüência desses passos, lembramos que o sucesso dessa estratégia não pode ser garantido de maneira absoluta, pois depende da propriedade e de uma escolha acertada da função
. O Passo 2 envolve a transição mais difícil: nos casos em que é possível passar de
para
, a função
sempre reflete alguma característica estrutural dos elementos de
que pode ser especificada recursivamente a partir de uma definição indutiva de
. Isso conduz naturalmente ao exame da indução estrutural, assunto de outro artigo desta seção.
Demonstração
Vejamos como os passos (1) e (2) implicam (3). Cremos que a conexão ficará mais transparente se usarmos livremente a linguagem dos conjuntos. Em particular, usaremos a notação para a imagem inversa de
por
. Um momento de reflexão mostra que a afirmação a ser provada no Passo 1 é
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(4) |
onde, por comodidade, cometemos o abuso de empregar a mesma letra () para denotar uma propriedade e o conjunto correspondente. Fica claro, então, que o Passo 2 consiste em provar
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(5) |
(É intuitivamente óbvio que o Passo 2 equivale à derivação desta sentença, mas isto pode ser rigorosamente estabelecido por meio do Teorema da Dedução do Cálculo de Predicados.)
Justificaremos o procedimento se mostrarmos que (4) e (5) acarretam (3) na forma
Suponha que (4) e (5) foram provados. Então temos um caso de (2), com . Segue-se do Princípio da Indução que
Mas esta sentença é equivalente a
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(6) |
(Veja o artigo A União é o Supremo.) Ora, por hipótese, , condição que é equivalente a
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(7) |
Resulta de (6) e (7) que . Era o que devíamos provar.
Em suma, podemos dizer que uma prova de (3) por “indução em ” corresponde a provar
por “indução em
”.
Exercícios
Exercício 1. Outra maneira de provar (3) por indução é a seguinte. Dado , suponha que do fato de valer
para todo
tal que
, se possa concluir que vale
para todo
tal que
. Justifique este procedimento usando o Segundo Princípio da Indução.
Exercício 2. Em nossa apresentação, há alguma restrição sobre que permita concluir algo sobre sua cardinalidade? Por exemplo, podemos concluir que
, isto é, que
deve ser no máximo um conjunto infinito enumerável?
Referências
[1] Bourbaki, Nicholas. Elements of mathematics I, Theory of sets. Hermann, 1968.
[2] Feferman, Solomon. The Number Systems: Foundations of Algebra and Analysis. Reading, Mass.: Addison-Wesley Publishing Co., Inc., 1964.
[3] Mitchell, John C. Foundations for Programming Languages, MIT Press, 1996. (O capítulo 1 se encontra disponível em http://theory.stanford.edu/~jcm/books.html.)
[4] Rosser, J. Barkley. Logic for mathematicians, McGraw-Hill, New York, 1953.
Carlos César de Araújo, 20 de janeiro de 2007, 18:52:44